29 de abril de 2008

Todo o meu amor

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17 de abril de 2008

Capítulo 3

O Som do Fim




Os músicos - Caravaggio
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Das horas desesperadas e de esperar sem fim. Das certezas absolutas e da convicção volátil. De tão instável, previsível sempre. Outros caminhos, os mesmos passos. Ou ao contrário, tanto faz. Do convite feito, aceito pela solidão.

Ajne continua seus afazeres habituais. As mãos ocupadas. A mente em outro lugar. Um suspiro atrás do outro, como um balde atirado ao poço. O alívio. A paz. Impossível concentrar-se em fiar. O fio desigual denotava a ansiedade. Mas dentro dela, a pior companhia era a certeza. Ele não voltaria.

Nunca encontraria a Pedra do início novamente. Baeh perdera os olhos na guerra. Queimaram suas retinas com uma lente de aumento; a última coisa que viu foi a luz do sol. Depois perdeu-se. Era menino quando do ocorrido. Perdeu a vista por ser um excelente batedor. Apontava o invasor a imensos quilômetros de distância. Como se predissesse. Meio conhecedor das horas não chegadas.

Os anos não foram lhe foram gentis. Passou a esconder a dor e a cegueira. De longe, e muitas vezes, de perto também, não havia como distingui-lo de quem enxergava com perfeição. Esperto, Baeh conhecia cada viela de sua cidade, como as marcas de suas mãos ou as linhas do rosto de sua avó. Depois da luz, nenhuma lágrima. A solidão era sua escudeira e o negrume, desde então, seu batedor.

Cercado pelo mundo todo, sempre chamava atenção. Era boa companhia para longas conversas, para noites inteiras. Era músico. Tocava de olhos fechados. Encantava a cidade com seu som. Mas sempre que alguém descobria que não podia ver, Baeh mudava de bairro. Até não sobrar lugar algum em sua terra. Mudou-se então.

Conhecia a estrada, mas nunca ultrapassara os portões da cidade vizinha. Distinguia seus sons. Salivava com o cheiro de pão fresco por trás dos muros. Empurrou devagar uma pesada porta de madeira e ferro. O ranger das dobradiças anunciavam a decepção, como uma canção de lamento. Uma das longas canções de lamento que ele sempre escondera.

O mercado cheio com todas as cores que ele não podia ver. Funcionava a pleno vapor. Vendia-se de tudo. Comprava-se na mesma proporção. Baeh achou de exibir sua música. Fechou os olhos e pôs-se a ser som. Cada nota saída do instrumento tinha a forma de uma lembrança. Baeh via sua música. E apenas isso lhe era permitido. Mas o mercado não tomou conhecimento da delicada arte oferecida. Todos estavam mais preocupados em abastecer suas despensas para o inverno. E em seus corações, a estação seguinte já esfriava a cortesia. Nada de polidez para o visitante que ofertava música. E por diversas vezes sua seqüência era cortada por um esbarrão; alguém com uma cesta enorme e pesada.

Ninguém percebeu que era cego. Nem notou que estivera ali. Baeh começou a duvidar da sua arte. Perdeu a música. Calou-se. Decidiu buscar novos ares mais uma vez.
Caminhou a esmo por estradas que não conhecia. Sentiu cansaço e fome. Saudade de muito tempo atrás. Tateava um rumo, mesmo sabendo ser em vão.

Assim, por trás da sebe furta-cor que ele não via, onde prendeu a mão, encontrou uma pedra. Nela, inscrita em espiral, lia-se: “o início da história...”.